Descarte de Medicamentos: responsabilidade social e ambiental.
O farmacêutico tem um papel crucial na educação da população quanto à destinação correta dos medicamentos e no estímulo ao uso racional.
O Brasil está entre os países que mais descartam resíduos de forma inadequada e dentre estes resíduos estão os medicamentos vencidos, que ao entrar em contato com o meio ambiente podem causar graves consequências para a saúde pública.
Para falar deste assunto, a Aplicar Conteúdos em Saúde apresentou uma aula ao vivo no Instagram no dia 06/02/18. Esta aula foi conduzida pela Gizele Leal, que é especialista no tema e fez parte do Grupo Técnico da Anvisa, responsável pelo estudo de viabilidade técnica e financeira da Logística Reversa de medicamentos vencidos e/ou inutilizados pela população.
Gizele é farmacêutica e coordenou o Programa Traga de Volta implementado pelo CRF/MG e é proprietária da FARMABIENTE (Farmacêuticos do Meio Ambiente), empresa que realiza a gestão de resíduos de serviços de saúde.
Foi uma aula bastante rica, com a participação de muitos farmacêuticos e enfermeiros interessados no tema. Infelizmente, a aula só pôde estar disponível de forma “ao vivo” e muitas pessoas entraram em contato pedindo reprise e enviando perguntas! Por este motivo, resolvi publicar aqui uma entrevista bem completa e esclarecedora feita com a Gizele.
Entrevista com Gizele Leal
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Gizele Leal, atualmente, como e onde são descartados os medicamentos vencidos ou não utilizados pela população brasileira?
Os locais mais frequentes são pias, vasos sanitários e lixo comum.
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E como deve ser realizado o descarte de medicamentos dos diferentes tipos de resíduos?
Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a publicada em 2010, há a obrigatoriedade de se implantar a logística reversa para alguns resíduos, determinando o retorno deles até os fabricantes. Alguns destes resíduos estão presentes nas nossas casas, como por exemplo:
- Agrotóxicos, seus resíduos e embalagens,
- Pneus;
- Óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens;
- Eletroeletrônicos e seus componentes.
O fluxo deve acontecer da seguinte forma: a população primeiramente entrega estes resíduos nos estabelecimentos que os comercializam. Depois desta etapa, estes materiais devem ser repassados dos estabelecimentos comerciais até os estabelecimentos fabricantes (ou importadoras), que irão tratar estes resíduos reduzindo sua periculosidade.
A participação do comércio é fundamental. Por estarem próximos dos usuários, eles se tornam pontos acessíveis para a coleta dos materiais.
É importante frisar que esta lei, a PNRS, a mais importante sobre o tema, não faz menção a medicamentos. Um modelo ideal teria o envolvimento entre todos os entes da cadeia de medicamentos, fabricantes e comerciantes, sendo ambos co-responsáveis pela logística reversa e destinação adequada.
Apesar de hoje não existir a obrigatoriedade da logística reversa para medicamentos, boas iniciativas têm sido implementadas por empresários do ramo farmacêutico e por instituições públicas. Seus estabelecimentos se tornam pontos de coleta de medicamentos vencidos e/ou inutilizados pela população.
Há diversas opções em vários lugares no Brasil, porém a população em geral desconhece os riscos do descarte inadequado e da existência destes pontos de coleta. Muitos deles estão próximos dos seus domicílios. Por isso eu gostaria de convidar os farmacêuticos que seguem a Aplicar Conteúdos em Saúde para se inteirarem sobre o tema e disseminarem estas informações. Uma dica importante para ser divulgada é o site www.ecycle.com.br/. Nele é possível encontrar locais onde se pode descartar diversos tipos de resíduos, inclusive medicamentos. A consulta é feita informando o tipo do resíduo que se pretende descartar e o CEP da localidade onde se está.
3. Que prejuízos o descarte incorreto de medicamentos pode causar ao meio ambiente e saúde humana?
Medicamentos são constituídos por compostos químicos. Uma perigosa parcela deles é descartada no lixo comum, por exemplo, medicamentos vencidos, que chegam em suas formas originais aos aterros sanitários.
Se não existir uma impermeabilização adequada nestes aterros, os medicamentos podem percolar (atravessar alguns meios), contaminar o solo e o lençol freático em altas concentrações, maiores do que através do esgoto.
As estações de tratamento de água, tanto no Brasil, quanto no exterior, não foram projetadas para eliminar fármacos, eles são apenas atenuados. Então esta água volta para o nosso consumo.
Segundo os dados levantados em 2010 pela companhia Brasil Health Service (BHS), as estatísticas mostram que 1kg de medicamento descartado via esgoto pode contaminar até 450 mil litros de água.
Os reais problemas causados pela presença de compostos de medicamentos no ambiente ainda não são muito bem conhecidos, porém sabe-se que medicamentos, mesmo diluídos em água, podem interferir no metabolismo e no comportamento de espécies aquáticas. Estudos demonstram presença e multiplicação de peixes hermafroditas em águas de rios que apresentam altas quantidades de hormônios femininos. Então o descarte de anticoncepcionais, medicamentos usados regularmente por uma grande fatia da população, é um importante exemplo que deve provocar nossa preocupação sobre o tema.
Não somente o uso humano preocupa, mas o consumo excessivo de medicamentos veterinários para criação de gado, peixes e animais domésticos joga, por exemplo, antimicrobianos, antiprotozoários e hormônios no meio ambiente.
A falta de aterros sanitários controlados na maioria dos municípios brasileiros, permite que animais e pessoas entrem em contato acidental com medicamentos expostos, por exemplo, nos lixões a céu aberto.
4. Além dos hormônios, os antibióticos também são preocupantes quando expostos ao meio ambiente. Quais são os riscos?
A super bactéria KPC (Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase), que matou muitas pessoas, surgiu devido a uma mutação genética, que lhe conferiu a capacidade de resistência aos mais potentes antibióticos utilizados no ambiente hospitalar. Este tipo de mutação pode ocorrer pelo contato constante com os antibióticos. Por ser uma bactéria presente no meio ambiente, essa exposição excessiva e constante a antibióticos descartados de forma incorreta, pode criar mecanismos uma resistência, ou seja, uma defesa aos agentes agressores, que são os antibióticos.
5. A maior parte do descarte inadequado de medicamentos tem origem no armazenamento feito nas residências. Por que o brasileiro guarda tanto medicamento, em casa? Que riscos há nessa conduta?
Existe a cultura de que nós precisamos manter em casa uma pequena farmácia para possíveis males que poderão acontecer. Esta conduta é um risco para a própria saúde. Faz com que as pessoas se automediquem sem orientação do farmacêutico. Isso pode piorar ou mascarar um quadro clínico, desenvolver uma complicação do mesmo ou alguma doença severa no futuro, por exemplo, pelo uso abusivo de medicamentos que fazem parte do “dia a dia” das pessoas, como o paracetamol.
Há também uma exposição ao risco de intoxicação pelo uso indevido de medicamentos disponíveis estas “farmacinhas”. Cerca de 28% dos casos de intoxicações no Brasil são causadas por medicamentos. A ingestão deles, que podem estar vencidos ou alterados por más condições de armazenamento podem provocar deste reação alérgica branda, a outras mais complicadas, motivando até internação hospitalar.
6. Muitas pessoas juntam os medicamentos vencidos guardados, em casa e não sabem onde descartá-los. Já existem farmácias que recolhem os medicamentos vencidos?
Sim, inclusive existem municípios que possuem suas próprias regulamentações. Em Minas Gerais, alguns municípios, como Ipatinga, Timóteo, Divinópolis, Poços de Caldas, Juiz de Fora, possuem leis que obrigam as farmácias públicas e privadas a manterem um coletor de medicamentos vencidos e/ou inutilizados para a população descartá-los.
7. O programa Traga de Volta, do CRF/MG, incentiva empresários do ramo farmacêutico a recolher e dar destinação correta aos medicamentos vencidos e inutilizados, bem como educar a população sobre o assunto. Fale sobre este programa.
O programa Traga de Volta é um programa institucional de adesão voluntária como objetivo de proteger a saúde pública e o meio ambiente. A proposta é que todas as farmácias e drogarias possam se credenciar como pontos de coleta. Estes estabelecimentos poderão agregar aos seus resíduos, os medicamentos provenientes da população (vencidos e/ou não utilizados) para o descarte ambientalmente correto, que é incineração e/ou deposição em aterro sanitário classe I de resíduos perigosos.
Para saber mais a respeito e fazer o credenciamento, basta acessar http://www.crfmg.org.br/tragadevolta/ para obter mais informações.
Para quem mora em outros estados, acesse o links a seguir para ter acesso a pontos de coleta de medicamentos: http://www.descarteconsciente.com.br.
8. Para encerrar, dê algumas dicas que você considera relevantes para evitar o acúmulo de medicamentos vencidos nas casas das pessoas?
- Uso racional de medicamentos: Refere-se “à necessidade de o paciente receber o medicamento apropriado, na dose correta, por adequado período de tempo, a baixo custo para ele e a comunidade”. Oriente o uso de medicamento de forma racional, sem exageros, sem automedicação e sem interromper o tratamento por conta própria. O paciente também deve exigir do médico uma prescrição completa e coerente, sem desperdícios.
- Evite desperdícios: Comprar medicamentos sem critérios e/ou em grandes quantidades para deixar armazenado em casa aumenta a probabilidade do mesmo vencer antes do seu uso. Essa prática aumenta o volume de medicamentos que precisam ser descartados. Existe hoje a PL 33/2012 em tramitação no senado desde de 2012 sobre a obrigatoriedade de se vender medicamentos fracionados. Com ela, o consumidor compraria apenas o necessário para seu tratamento, evitando desperdícios.
- Descarte corretamente: Se o medicamento vencer, recomende não jogar no vaso sanitário ou na lixeira. O certo é levar os medicamentos até um ponto de coleta para o descarte ambientalmente adequado. Indique ao seu paciente os pontos de entrega mais pertos.
- Espalhe informação: Muitas pessoas descartam medicamentos no lixo ou nas redes de esgoto por falta de informação, não por falta de opção. Informe a todos sobre os riscos que isso pode gerar e como evitá-los.
Para mais informações segue o contato: www.farmabiente.com.br
Gizele Leal (31)98724-5996 WhatsApp